terça-feira, 15 de novembro de 2011

Spray de pimenta neves

As crianças brincam na piscina do Nem. Devia ter uma lei que garantisse um traficante preso na vizinhança a todo menino e menina. Uma lei assim: “Toda criança tem direito ao ensino, desde que seu tempo na escola não exceda 4 horas diárias de segunda à sexta. Toda criança tem direito à piscina expropriada de traficante e a um terreno baldio a menos de quinhentos metros de sua casa, onde possa soltar pipa, jogar bolinha de gude e bater punheta escondido. Lugar de criança é na rua.”

Por falar em Nem, tá certo, traficante é safado, sem vergonha, vagabundo, marginal, delinquente, assassino e tudo aquilo mesmo que os homens gordos esbravejam nos noticiários das 18:00H. Pior, traficante é torturador, arranca unhas, arranca cabeças, põe em gente viva dentro de pneus e taca fogo. Mas às vezes, pra passar o tempo, fico me perguntando pra que fazem leis no Brasil? Veja bem, segundo uma tal Lei nº 14, de 11 de novembro de 1994, capítulo 17, art. 47, que fixa Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil, nenhum preso será constrangido a participar, ativa ou passivamente, do ato conhecido como exibicionismo forçoso à fotografia ou filmagem. Por isso os presos cobrem a cara com a camiseta.

Os profetas da TV anunciam o fim dos tempos, a sociedade se sacia apenas com vingança, na lei surda do silêncio, a polícia seria a última instância.

Mas nem quando prendem o Nem, que tem dinheiro como ninguém, a lei é cumprida. Os policiais levantavam a cara dele puxando pelos cabelos pra todo mundo todo poder fotografar. Contentes, os policiais fotografam com seus celulares. Guardar e contar pros netos o dia em que a Rocinha foi ocupada, digo, reintegrada ao território nacional. Sim, porque o Nem era o rei de um reino à parte onde valia a lei do dente por dente, do olho por olho. Literalmente. Por isso apenas, pra nem acabarmos iguais a eles, falo em cumprir as leis.

Mas é que a tal lei nem pegou... Ora, desfaz a lei. Faz outra: “Todo preso terá direito a ser fotografado e filmado no ato do aprisionamento, garantindo a sua integridade física. As fotos documentam o seu estado e garantem eventuais arbitrariedades que, antes delas, eram cometidas nas delegacias.” Pronto, fica todo mundo feliz.

Por que no Brasil tem lei que pega e lei que nem pega? Todo mundo devia ter direito a saber que leis existem para serem cumpridas. Mas no Brasil o que pegou mesmo foi o Dura Lex, sed Lex no cabelo só gumex.

Tá certo que também tem lei demais neste país. Tem gente que acha a eficácia dos políticos se mede pelo número de leis que eles propõem. Gente que nem pensa, porque, pense bem: Só de deputados federais são 513, mais milhares de vereadores (5564 munícipios) e centenas de deputados estaduais!

Desse engano, de que a gente precisa de leis novas antes mesmo de ter apreendido as antigas, nascem leis importantíssimas como proibir o fabrico de açúcar em casa, demarcar áreas de pouso para OVNIs ou o Dia da Homofobia.

Um dia todo mundo vai ter direito a um tablet no bolso para consultar seus direitos.
— Você nem pode fazer isso!
— Posso, tá na lei.
— Isso vamos ver! Vamos ver... vamos ver... pesquisar “Festa de Aniversário em Condomínio”... 47 ocorrências encontradas...

Sabe aquela velha máxima, “A liberdade de um vai até onde começa a liberdade do outro?” Pois num é? Bom senso, meus senhores.

Todo mundo tem direito a nem ter um traficante na porta de casa. Todo traficante tem o direito de ser preso, e todo preso tem direito de nem ser fotografado. E assim por diante até chegar na festa de aniversário do condomínio ou no assunto da semana, o baseado na universidade.

Se não estiver na lei, consulte Pepeu Gomes, “Você pode comer baseado / baseado em que você pode comer quase tudo / contanto que deixe um pouquinho / um pouquinho de fome”.

Você vai me dizer, “Quero ver se fosse com o seu filho”. Mas esse é o problema, foi com o meu filho. Foi o nosso filho de classe mediana que a polícia prendeu na universidade. E a hora em que é o do nosso filho que está na reta é a hora de você pensar duas vezes se a polícia que você gosta é mesmo a do “prende e arrebenta”.

Porque todo policial tem direito de prender quem quer esteja fumando maconha na rua, está na lei. É uma lei excelente, seguindo a qual nossos policiais podem bater nos pobres, arrancar propina dos mauricinhos e bolinar as mocinhas, pobres ou nem.

É uma lei delirantemente excelente, que permite que se acabe do dia para a noite com a cracolândia, por exemplo. Basta prender os dois mil viciados que vagam pelas ruas do centro. Construir quarenta celas, botar 50 presos em cada uma e prender junto uma menina. Que toda menina presa fazendo programa em beira de estrada tem direito a uma cela com cinquenta presos pra ver se aprende.

Se nem tiver onde prender esses meliantes, acontece que nem na semana passada, na reportagem do dia oito de novembro de dois mil e onze veiculada no SBT Brasil, “O morador de rua dorme numa praça da cidade, três guardas municipais se aproximam, um deles tem um spray de gás pimenta. Sem nenhum motivo ele joga o gás no rosto do homem. Repare que depois da violência, o guarda passa o spray para a colega, que esconde dentro da roupa. O gás provoca uma forte ardência nos olhos, nariz e garganta. Os guardas assistem imóveis ao sofrimento do rapaz. Um deles usa o cacetete para obrigar o homem a se levantar. Um chute nos pertences do homem, e os guardas partem, como se nem tivessem feito nada.”

E na página da internet onde a notícia foi publicada, comentários assim “Tem que apanhar mesmo, bando de vagabundo!”

Todo mundo tem direito de falar. Ainda que seja bobagem.

Todo mundo tem direito a uma polícia que cumpra as leis. E todo policia tem direito a uma latinha spray. Spray de pimenta neves.

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