terça-feira, 8 de novembro de 2011

Por favor, por onde eu pego a Terceira Via? Ou o poder transformador da arte


Exposição Face to Face, do artista francês J.R., nas ruas de uma cidade palestina


Dia desses, escavando na internet, encontrei este poema:

Dino “Equipe escavando na América do Sul / encontra os restos fósseis do que seria / o maior dinossauro que já existiu. // Cientistas renomados da América do Norte / não medirão esforços para provar que, / embora maior e certamente muito mais forte, / o novo dinossauro não era carnívoro, / e sua agressividade nem chegava perto / da do Tiranossauro Rex, // o dinossauro favorito dos garotos / da América do Norte.”

Segundo Pipol, o autor do poema, ele “mostra que mesmo a ciência não está livre de contaminação por ideologias e preconceitos (...) O Tiranossauro Rex não pode de forma alguma levar surra de outro Dino qualquer. O poema revela um mecanismo sutil que relaciona pais e filhos e nações e continentes.”

Esse mecanismo sutil se chama propaganda ideológica e foi percebido pelos romanos há mais de dois mil anos, quando saíram Europa adentro distribuindo a povos que ainda viviam na Idade do Ferro, pão, circo e civilização.

Não é em essência diferente dos espelhos e miçangas que os portugueses distribuíam aos tupinambás e nem da produção hollywoodiana.

A diferença, hoje, está na capacidade de resistência da produção cultural não norte-americana. Essa produção cultural não norte-americana pode ser chamada de contra-propaganda ideológica se revelar a agressividade e a sutileza do atual processo de aculturamento. Inclusive incorporando, mastigando e cuspindo o bagaço do enlatado. Botando mosca na soap-opera.

Yes, nós temos banana. Mas chiclete com banana. Este processo de minar o discurso dominante, que não é mais imperialista norte-americano, mas um discurso de manutenção do status-quo que interessa às elites do mundo inteiro e corporações internacionais que podem ter sede em solo norte-americano, francês ou brasileiro. Este processo, é a glória do Oswald de Andrade: Tupi or not Tupi? É a deglutição do bispo Sardinha, passando pelo sequestro do embaixador norte-americano e desaguando na lenda de que o hambúrguer do MacDonalds é feito de minhoca.

Esse processo é a terceira via. Explicando:
Se o mundo não vai mudar só com atos pontuais, são com os atos pontuais que ele pode começar a mudar. Mas mudar para onde, para chegar onde? Você me pergunta. Se o imperialismo não é mais exclusivamente norte-americano, mas um imperialismo de corporações, então vamos sequestrar os caminhões da Coca-Cola? Tacar fogo nos poços da Petrobrás? Então vamos criar a estatal do refrigerante, a Refribrás? E a estatal do petróleo... Ops, a Petrobrás já é a estatal do Petróleo e uma grande corporação internacional ao mesmo tempo.

Certa vez, indo para a Praia do Forte, Bahia, peguei carona com um figura de 1,80 de altura, uns 120 quilos, cabelos meio ensebados na altura dos ombros, barba preta com uns fios embraquecendo e a voz possante querendo trovejar mais alto que o ronco da S-10, “Você acha que a Petrobrás banca o Projeto Tamar por que gosta da natureza? Rapaz, eu trabalho em navio petroleiro. A Petrobrás é uma grande destruidora da natureza! O que a gente derruba de petróleo no mar... Isso aqui é fachada! Pra cada tartaruga salva aqui, eles matam 100 em alto-mar!”

É óbvio, como é óbvio que a Coca-Cola não quer erradicar a pobreza no Brasil, o Itaú não quer nos salvar das trevas culturais e os Correios estão se lixando para o esporte nacional.

A AmBev, por exemplo, gastou só em 2009, 914 milhões de reais com propaganda. Já a receita total da Fundação Gol de Letra, totalmente revertida para importantes projetos sociais junto à comunidade carente, não chegou neste mesmo ano a 4 milhões. E para chegar a este número contou com a parceria não apenas da AmBev, mas também da Petrobrás, Peugeot, Itaú, Adidas etc, etc, etc...

Ou seja, todos esses projetos sócio-culturais patrocinados por grandes empresas, embora importantíssimos para os beneficiados, são esmolas das corporações para a sociedade. Nem isso: São propaganda. Marketing barato cujos resultados saem de graça no Jornal Nacional, onde, se fossem pagar por 30 segundos no intervalo, gastariam 478 mil reais.

Com 478 mil reais dá pra fazer uma enormidade de coisas na área da educação, esporte e cultura. É isso que essas empresas perceberam e estão fazendo. No mundo do politicamente correto, ainda saem bem na fita.
O MacDonalds agora nos oferece a opção de pedir salada no lugar da batata-frita. Com isso, lucra, e ainda posa de antenado com a geração saúde, com os modernos, os verdes, os frequentadores da Vila Madalena e os moradores de Perdizes formadores de opinião.
Pura e simples propaganda ideológica.

Digo tudo isso sem ironia alguma, a ironia não é a terceira via.
A polícia na favela não é a terceira via.
Assassinar o Kadafi não é a terceira via.
A política de conchavos não é a terceira via.
A imprensa dos grandes conglomerados de comunicação não é a terceira via.
E a tecnologia não é a terceira via. Mas, sabendo usar, pode ser um veículo poderoso de livre comunicação e mobilização. Ou seja, de contra-propaganda ideológica. Efeito adverso, não é o caso depositar flores no túmulo do Steve Jobs. A não ser que você seja um dos herdeiros de sua fortuna estimada em mais de 8 bilhões de dólares. Sozinho ele podia fazer um bolsa família.

Então, que raios é essa terceira via? Nem eu sei e nem ninguém. Não é um dogma pré-estabelecido. Não é o “terceirismo”, superação definitiva do dualidade capitalismo/comunismo. Está no nome, é um terceiro caminho. A se trilhar. Onde este caminho vai dar? Espera-se, num mundo melhor.

A terceira vida é um dinossauro, já acharam um metatarso aqui, uma escápula ali, mas nunca acharam um esqueleto inteiro, ou melhor, um ovo que nos permitisse iniciar esse Jurassíc Park dos sonhadores tardios, loucos que mesmo após a queda do Muro de Berlin ainda continuam acreditando que o mundo pode mudar.

Em 2007, JR, fotógrafo e artista de rua francês foi à Palestina e Israel para tirar fotos de palestinos e israelenses que tivessem a mesma profissão: taxistas, cozinheiros, advogados etc. Ampliou e colou essas fotos nas ruas de oito cidades palestinas e israelenses, lado a lado, israelenses e palestinos. Quando percebeu que os painéis fotográficos eram grandes demais e não conseguiria colá-los apenas com suas escadas, um palestino disse que podia ajudar, e trouxe uma escada de dentro da Igreja da Natividade.

Em fevereiro de 2011, Hector Zamora, artista plástico mexicano radicado no Brasil, fincou 500 bandeiras brancas em uma praia na Nova Zelândia. Hector pediu que a população ajudasse a fincar as bandeiras na praia. E no meio dessa festa, um Maori apareceu e fincou a bandeira Tino rangaritanga (auto-determinação). Essa bandeira que vem sendo usada pelos Maori para marcar sua posição de não-submissão política dentro da Nova Zelândia. Bandeiras brancas são um símbolo internacional de paz, mas na Nova Zelândia foram usadas pelos colonos britânicos durante a colonização para demarcar a terra. Hector Zamora confessa que o momento em que o Maori fincou sua bandeira espontaneamente foi um dos momentos mais gratificantes de sua carreira.

Na semana passada declamei um texto sobre moradores de rua no Sarau do Ocupa Sampa, debaixo do viaduto do Chá. Quando acabei, um morador de rua veio falar comigo, “Eu queria te agradecer, sou morador de rua e você nos representou com suas palavras”.

Eu não sei aonde este caminho vai levar, mas sei que é por ele que quero ir.

Entendeu agora a receita pra se abrir esta trilha na selva de propaganda, marketing e publicidade ideológica? Uma pitada de tecnologia, arte a gosto e muit, muita, muita educação.

A terceira via é educação. Educação na escola, sim, e primeiro e antes. Mas educação ampla geral e irrestrita. Educação que nos permita entender que corrupção não é normal. Educação que nos permita mais que ler, entender. Que nos permita comprar não apenas batata frita e iogurte com o dinheiro do bolsa-família.

Não é preciso reinventar o Brasil nem o mundo nem a roda. É só fazer arte com tudo isso. Para Foulcaut, “A literatura”, por exemplo, “constitui um espaço de transgressão em que tudo o que é fixo torna-se móvel abalando nossas estruturas de pensamento herdadas historicamente.”

Não sei se algum dia o mundo vai ser mais justo, se as grandes corporações vão abrir mão de parte realmente significativa de seu lucro com projetos sociais, ou se, paraíso dos paraísos, algum dia projetos sociais não serão mais necessários.

Enfim, eu não sei quais contornos ideológicos e políticos teriam uma sociedade onde eventualmente existisse justiça social, mas sei que a melhor maneira de fazer esta tão necessária contra-propaganda que nos permita dizer que sim, que nossos dinossauros dariam um cacete no Tiranossauro Rex, é através da arte.

Arte que bote pedras pra rolar. “Pedras rolantes não criam musgo”. Como o poema Oitava Pedra, de Cláudio Portela “O que difere a Disneylândia da Crackolândia? / Tudo é sonho e prazer!”

Porque a verdadeira arte é feita para mudar o mundo. Se não for assim, diz o escritor André Sant’Anna, não é arte, é entretenimento.

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