quinta-feira, 3 de novembro de 2011

A Falência das Ideologias - Do Ocupe Wall Street ao Ocupa Sampa


Foto: Paulo D'Auria

“Muitos de nós somos da classe média, trabalhadores. Não somos um monte de hippies” diz a artista plástica inglesa acampada com mais ou menos duzentas pessoas junto à Catedral de Saint Paul, tradicional ponto turístico de Londres. O acampamento é uma manifestação contra o capitalismo.

Inúmeros acampamentos-protesto como esse se espalham pelo mundo. De Wall Street ao Vale do Anhangabaú.

Por enquanto, não parece ser nada de mais. Duzentas pessoas numa cidade como Londres, não é nada. No Anhangabaú então, não passam de um grupinho de estudantes. O PT não está lá nem o PSTU. O PSDB não está lá e nem a Globo passou pra conferir.

Fiquei sabendo porque uma amiga poeta escreveu no FaceBook que o Ocupa Sampa ia organizar um sarau no feriado de Finados debaixo do Viaduto do Chá.

A inspiração clara desses acampados ao redor do mundo são os protestos da Praça Tahir, no centro do Cairo. Os egípcios, depois de defenestrar o ditador Mubarak, agora estão acampados na praça, pressionando o atual governo por mudanças reais e convocação de eleições.

A diferença dos acampados em Wall Street, Londres, Madri, Islândia etc, é que ninguém quer derrubar o Barack Obama ou a Dilma Roussef. O alvo é mais em cima: Eles protestam contra as grandes corporações e o capitalismo como sistema social dominante.

Eles são contra o capitalismo mas ainda não sabem o que colocar no lugar: essa é uma questão a ser descoberta e construída a partir da discussão coletiva. E é justamente aí, no que os críticos chamam de falta de consistência desse movimento, que eu enxergo sua maior virtude: A ausência de uma ideologia pré-estabelecida.

Afinal, desde alguns anos antes do Muro de Berlin cair, em fins de 1989, que até o Cazuza já sabia que a era das ideologias havia acabado.

Claro que os governos comunistas que caíram com o Muro no final do Séc. XX não representavam o comunismo puro, como concebido por Marx. Mas a impressão que ficou para o mundo foi: “Não deu certo”.

Naquele momento, teve até quem previu o fim da História. Como se o mundo tivesse finalmente alcançado a libertação total. Como se o capitalismo fosse a libertação. Como se os países capitalistas estivessem realmente interessados na liberdade dos povos que viviam sob jugo comunista, e não apenas de olho em novos mercados de consumo.

Não, a História não acabou, e Bin Laden deixou isso claro ao derrubar as Torres Gêmeas.

O poeta Haroldo de Campos diz que a poesia hoje é uma poesia de pós-vanguarda. Porque, “Ao projeto totalizador da vanguarda, sucede a pluralização das poéticas possíveis. Ao princípio-esperança, voltado para o futuro, sucede o princípio-realidade, fundamentalmente ancorado no presente.” Traduzindo: A poesia não precisa mais levantar bandeiras que vislumbrem o futuro redentor prometido pelas esquerdas. Aos poetas cabe apenas debruçar seu olhar sobre o presente. Haroldo de Campos não fala em pós-modernismo porque, para ele, o conceito de pós-vanguarda não está ligado a uma superação do modernismo, mas a uma superação das utopias. É a pós-utopia. O que nos leva de volta à falência das ideologias.

Para simplificar, consideremos aqui a utopia e ideologia como conceitos interligados. Quase sinônimos. A utopia como filha das ideologias de esquerda.

Como poeta e historiador, sou a favor da incorporação do conceito de Haroldo pela História. Proponho uma pequena reforma naquela velha Linha do Tempo que aprendemos na escola. Na reforma que sugiro, apaga-se a chamada Idade Contemporânea. Fica assim: A Idade Moderna, que acaba com a Revolução Francesa, fica como está. Daí até a Revolução Russa, passamos a ter a Idade das Revoluções. De 1917 até a queda do Muro de Berlin e das Torres Gêmeas, temos a Idade das Utopias. A partir de então, começa a era que vivemos hoje, a Idade Pós-Utópica.

Isso porque, como os acampados-desempregados de classe média em Londres já perceberam, as utopias estão esgotadas. A tão esperada 3ª via não era mesmo a social-democracia de Helmut Cohl e Fernando Henrique Cardoso. A 3ª via que se sugere agora, deve nascer da prática, da realidade, de pessoas reais e comuns buscando saídas para os problemas do mundo.

Talvez já esteja nascendo. Quem sabe afinal no que vai dar a Primavera Árabe?

Já dizia o herói mexicano Emiliano Zapata, “O povo que precisa de um líder, é um povo fraco. Um povo forte não precisa de um líder forte”.

Quando a Era das Utopias acabou, me desencantei também com o Ser Humano. Acreditar em uma sociedade organizada segundo princípios intelectuais e de justiça, para mim, era acreditar que o Ser Humano podia suplantar a sua condição “bestial” básica. Podia se governar por outra lei que não a Lei da Selva, a Lei do Mais Forte.

Quando tudo ruiu, me bateu um enorme desencanto. E ver a velocidade com que algumas figuras, como o antigo comunista Rodolfo Konder, se bandeavam para o lado do Maluf, ou, mais tarde, ver o PT se enlamear com a corrupção, nada disso ajudou.

Agora, talvez, esteja na hora de voltar a acreditar, de voltar a sonhar. Um sonho sem líderes, sem comunismo, sem capitalismo, um sonho simples, de pessoas reais, desempregados-acampados expulsos do paraíso consumista.

Um sonho pequenininho, afinal, enquanto pouco mais de cinquenta pessoas davam voz ao sarau do Ocupa Sampa, bem em cima da gente, no alto do Viaduto do Chá, na Zombie Walk, a TV mandava dizer que três mil jovens fantasiados de zumbis brincavam o Dia de Finados.

Um sonho pequeninho, mas não é todos os dias que pessoas comuns, por poucas que sejam, percebem ao mesmo tempo que a História vive um nó de incertezas e resolvem desatá-lo com as próprias mãos.

Um sonho pequenininho. Um sonho meu, um sonho seu. Um sonho nosso.

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